“SONHO ABRIR CASA-ATELIER”

Margarida Santos na sua Casa Atelier
12-05-2021 | 17:43 | | |

“SONHO ABRIR CASA-ATELIER”

Escrito por Filipa Júlio

Começou a pintar aos 12 anos. O que a fez despertar?
Não senti um despertar. A minha mãe dizia, e bem, ‘já nasceste artista’. Eu era muito franzina e doente, mas fazia desenhos, com os cacos das malgas que partia, nas eiras, nos pátios, nas paredes. Nenhuma superfície escapava à minha fúria de rabiscar. Fui cedo para a Escola Soares dos Reis e, posteriormente, fiz o Curso de Admissão às Belas Artes. Era uma escola mágica para se adquirir formação nas artes decorativas e plásticas.

Sentiu dificuldades no seu percurso enquanto mulher artista?
Não tem sido nada fácil. Insubmissa e independente, tive que desbravar o meu caminho a pulso firme. Se queria assumir o meu papel na Arte como escultora do bronze, realizava trabalhos extra pois o salário de professora não cobria ‘excentricidades’ (subsidiar trabalho de autor). Tinha de acreditar em mim e avançar. Sacrifiquei-me muito para conquistar o meu estatuto! Aos 74 anos, como se caracteriza enquanto pessoa? Sou uma pessoa realizada como mulher, artista, mãe e avó. Amiga do meu amigo, fiel aos meus valores e princípios, capaz de uma entrega desmedida ao que faço e aos que amo. Considero-me uma pessoa de carácter.

Contributo para um Mundo melhor

A Arte é a melhor forma de se relacionar com o Mundo?
Não. A melhor é no contacto afetivo com as pessoas. Elas são a razão de uma existência, embora as tenha sacrificado muitas vezes. Trabalhar em Arte sempre foi prioritário, um ato compulsivo e irresistível, pois acreditei sempre ser esse o meu contributo para um mundo melhor.

É mais conhecida pela escultura, mas esta Casa-Atelier está repleta de livros, pinturas e desenhos seus. As esculturas parecem saídas dos quadros. Tudo tem movimento, cor, mulher e liberdade.
Gosto dessa sua interpretação, do que viu em dezenas de obras de pintura e também de desenho, que a maior parte das pessoas desconhece. Todos os meios em que me exprimo se entrelaçam porque neles sou profundamente obsessiva nas temáticas, onde a mulher é o centro (da vida, do universo). Tenho bem presente a luta das mulheres antes e depois do Dia da Liberdade, não fora assim a minha obra nunca o refletiria e, em boa verdade, sempre o faz. Fiz questão de ser reconhecida no meu meio e perante os meus pares como escultora. O meu trabalho de autoria em bronze é complexo e oneroso. No entanto, talvez não tenha havido um dia em que não tivesse escrito, desenhado ou pintado. São como exercícios continuados de respiração.

Disse-me que as suas esculturas são pesadas e leves ao mesmo tempo. É o reflexo desse seu mundo?
Todo o meu trabalho se reporta à figura humana e boa parte dele é autobiográfico. Os meus interesses na ‘vida real’ são música, dança, poesia, relações humanas, amor, sofrimento. E todos são meticulosamente retratados. No corpo, a sedução, o erotismo, a sensualidade feminina, as emoções, estão sempre presentes (excepção feita às obras públicas de encomenda). Ser mulher e gente nesta sociedade competitiva - e de certo modo inculta em questões de Arte -, é duro e exigente, quando não abdicamos de sermos nós próprios e da nossa circunstância. O meu trabalho é pesado porque o material é o bronze, mas leve como a alma feminina.

Gaia, terra de escultores

O que gostava ainda de realizar?
Antes de fechar os olhos, e enquanto tenho alguma garra, gostaria de conseguir meios para abrir a minha Casa-Atelier ao público, sobretudo a visitas das Escolas, e de concretizar três grandes obras emblemáticas de Arte Pública na terra que me viu nascer (Gaia) , onde resido e a que dei tudo como pessoa e artista: ‘Monumento a Edgar Cardoso’, ‘Monumento a Fernão de Magalhães’, ‘Monumento à Mulher’. Tenho as maquetas prontas para ampliação, no atelier, executadas após pedido da Autarquia. O último foi objeto de interesse pessoal do atual presidente. Gaia é uma terra de escultores do bronze e gostaria de contribuir para a honrosa herança que os Mestres legaram a Gaia. Devíamos ter muitas esculturas em bronze a embelezar a cidade. A minha maior pena é não termos tido uma dinâmica permanente dessa Cultura, muito gaiense.

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